Cinema

No ritmo de Baby Driver

servido por: Caio Sandin

Acho que todo mundo já imaginou a própria vida com uma trilha sonora, fazendo com que cada movimento, cada passo e cada gesto se tornem dramáticos e dignos de atenção. Ou, até mesmo, ao vivenciar um momento marcante, a música exata para a situação começa a tocar na sua mente, tornando aquele fragmento da sua vida num videoclipe.

Com o advento de reprodutores portáteis (desde o início, com o Walkman… até os atuais celulares, com serviços de streaming), essas circunstâncias puderam se materializar por intermédio dos fones de ouvido. De repente, a sua rotina e a música se casam de maneira sublime, sem que você tenha programado. Completamente sem querer. Um dia desses, enquanto subia uma grande escadaria, rumo ao metrô, o Spotify resolve tocar “Gonna Fly Now”, música-tema de Rocky: Um Lutador. Ou num dia muito importante, em que a insegurança começa a bater, randomicamente o aparelho inicia “Don’t Stop Me Now”, do Queen. Nos dois casos, um pequeno sorriso se abre no meu rosto. Perfeito.

Parece que o diretor Edgar Wright (Scott Pilgrim Contra o Mundo) também já teve este tipo de sensação e resolveu fazer – de “Em Ritmo de Fuga” (Baby Driver) – uma adaptação audiovisual disso. O filme se inicia com uma perseguição de carros… digna de comparação com as melhores já produzidas. E um dos pontos que mais chama a atenção é justamente como a brilhante edição, aliada a uma direção magistral, constrói a cena da maneira ideal, casando cortes e ações realizadas pelos personagens com o ritmo e as mudanças das melodias.

Outro fator muito importante é a maneira como é feita a mescla da trilha sonora, vinda dos, sempre presentes, fones de ouvido de Baby (Ansel Elgort) com os sons do ambiente. Novamente magistral, a equipe de produção toma momentos mais silenciosos das canções para encaixar ruídos e falas marcantes… para, logo em seguida, em batidas marcantes, encaixar alguns barulhos importantes para o andamento da história. Vale ressaltar também como a música em si é apresentada para o público, variando entre o som direto, nítido e claro, e o que parece ser capturado junto à voz dos atores, abafado e levemente estridente, quando estes precisam de mais atenção.

Quando assistimos a um filme em que o áudio tem tamanha importância, acabamos prestando mais atenção neste fator no decorrer da sessão. Por consequência, o reconhecimento de instrumentos utilizados para passar emoção e sentimento – por meio do som – se torna mais claro, assim como a relação entre a sonoridade e o que é visto na tela. No caso deste longa, a sinestesia é tão grande que, em um trecho específico, as palavras da letra são escritas em locais do cenário percorrido pelo protagonista, entrando e saindo de quadro conforme são cantadas na melodia. Um detalhe que, na maioria das vezes, causaria um certo grau de estranheza, mas que, aqui, é um toque sutil e uma forma extra de entender o quão importante é a conexão da música com Baby e, consequentemente, com a trama em si.

A história do longa, apesar de bastante clichê, é contada de maneira interessante, se desenvolvendo conforme convivemos com os personagens, que contam o passado de maneira sutil, em uma frase ou num curto flashback, revelando a personalidade, as características e as motivações… pouco a pouco.

O plot central gira em torno do motorista de fuga, que atende aos chamados de Doc (Kevin Spacey) para pilotar em alguns assaltos, em busca de sanar uma misteriosa dívida. A relação, sempre hilária, de Baby com o pai adotivo, que é surdo, realça o ótimo ritmo e um tom de comédia embutido no roteiro, sempre sagaz e que, por vezes, pega o espectador de surpresa, novamente utilizando a música como pano de fundo de muitas das piadas. Já o relacionamento amoroso apresentado, apesar de quase irreal, demonstra a ingenuidade… tanto do protagonista quanto da amada Debora (Lily James), mergulhados num desejo de fugir da realidade vivida por ambos, ao som de boas canções. Ao parecer tão puro, o amor – ali representado – cativa e, ao não ter qualquer demonstração física clara, remete aos romances de infância, dos sonhos impensados.

O filme utiliza o brilhante elenco de apoio, com nomes como Jamie Foxx (Django Livre), Jon Hamm (Mad Men) e Jon Bernthal (The Walking Dead), para demonstrar a rotatividade no grupo de Doc, que mantém apenas Baby em todas as empreitadas, reforçando a incerteza quanto ao caráter dos integrantes e a confiança na moral e na capacidade do jovem.

A relação entre o grupo é desenvolvida tanto nos assaltos quanto no briefing das missões, deixando – claras – as intenções e as singularidades dos associados. A cada crime e, por consequência, nova equipe, os vínculos se aprofundam, deixando de ser algo polarizado para se tornar mais real, com pessoas que possuem defeitos e virtudes, com um passado único que os levou até ali. Sempre cercados por excelentes cenas de ação e conflitos, que deixam o público à beira do assento.

“Em Ritmo de Fuga” consegue unir uma história interessante, que apesar de alguns momentos questionáveis e pequenos buracos, mantém o espectador imerso na narrativa durante toda a projeção; um elenco estelar, que (mesmo em aparições curtas) demonstra comprometimento com o longa, ao mesmo tempo em que todos parecem estar sempre se divertindo; e, principalmente, um espetáculo audiovisual único, com algumas das melhores cenas de ação do ano, graças à direção impecável e à montagem inteligentíssima. Ao utilizarem, de maneira ímpar, a mescla de boas músicas em iPods temáticos por humor e dia da semana, planos curtos com cortes inventivos e ângulos de câmera que valorizam todo este trabalho, transformam – em obra-prima – um material que poderia cair na seara de “mais uma trama de roubo” ou se tornar um “Velozes e Furiosos” genérico. A diferença que faz a assinatura de um dos grandes diretores da atualidade, o foco na criação de bons personagens e a utilização primorosa de boas ideias.

10 / 10