Realidade

Eu sou o povo, você também, oremos ao Senhor!

servido por: Erick Heras

Eu nasci pobre. Filho de jovens, que se separaram rápido e tão logo éramos apenas minha mãe e eu.

Ela ralou bastante e, por alguns golpes de sorte e por esforço dela, durante uns anos, fomos “classe média”.

No local onde eu morava, pelo acesso que eu tinha às coisas, entre meus amigos, eu sempre era o mais pobre. Não tinha vídeo game da época, fui um dos últimos a ganhar patins… esse tipo de futilidade. Entretanto, no convívio com eles, uma série de filhinhos de papai, obviamente todos brancos, eu não era discriminado por ser o mais pobre.

Passado algum tempo, meu estilo de vida modificou bastante, apesar de, financeiramente, acreditar que não mudamos tanto. Mas, por conta de um relacionamento da minha mãe, fomos morar em um bairro relativamente periférico (na zona norte de São Paulo) e, mesmo lá, vivendo em uma casa de dois cômodos, convivendo – agora, sim – com negros, com “pobres” desde nascença, eu, definitivamente, nunca me senti pobre. Foram tão poucas vezes que me senti na minha real classe social, que daria para enumerar com os dedos de uma mão.

Eu era pobre, numa casa pobre, num colégio de periferia, com amigos – desta vez – até mais pobres que eu e eu nunca me senti pobre.

Hoje, aos 31 anos, começo a refletir sobre isso. Por que eu cresci acreditando não ser aquilo que eu era? Por que os pobres eram os outros que pediam comida entre carros e eu sentia pena?

É uma reflexão incompleta que faço aqui, confesso que isso vai me fazer pensar muito ainda. Mas que vem num momento relevante, depois de uma certa revista lançar uma capa que atribui – ao povo – as mazelas da política e do porquê a esquerda não triunfar nas urnas. Colocam a culpa “no povo”. Quem, afinal, é o povo?

Eu sou pobre, cresci pobre. Entretanto, sou branco. Por conta disso, fui aceito na maioria dos locais.

O desdobramento dos acontecimentos da minha vida familiar me levou a morar em bairros bons, mesmo sem dinheiro. Até que, enfim, fui para a periferia e nunca me senti pobre, nunca me senti povo. Eu sou o povo. Eu sou o povo que trabalha para sobreviver, que não herdou nada e que se considera de esquerda. Eu sou o povo a favor das causas sociais, o povo contra o impeachment, mesmo sem defender, absolutamente, o governo Dilma.

Hoje, tive um choque de realidade ao perceber que eu sou a pseudo elite da esquerda que, apesar de não ter dinheiro para isso, tampouco títulos acadêmicos, é comigo que Carta Capital, Marcelo Freixo, Gregório Duvivier, etc. conversam. Eles não conversam com o pobre, com o outro povo, eles conversam comigo que, apesar de povo, não me sinto tal.

Sabe aquela história de “que absurdo um pobre de direita”? Prazer, fazemos o mesmo.

Conversando com um dos meus melhores amigos da vida, uma das pessoas mais inteligentes que conheço (sem rasgação de seda, ele simplesmente é), um cara que nasceu e cresceu na periferia de Diadema – para quem não sabe, é uma cidade pobre e violenta –, me disse o seguinte hoje:

“Eu jamais seria bem aceito numa roda da alta esquerda. Primeiro, pelo meu nome; depois, onde moro e de onde meus pais vêm. Eu só existo para ser o exemplo do pobre. Eles não podem me chamar de burro, eles não são pobres. Eles não sabem como é ser pobre e não preciso que falem por mim.”

O nome dele é Ranieri e olha como os discursos são distorcidos no nosso limitado debate de esquerda/direita de Facebook: ele, em breve, irá se casar nos EUA, a família dele segue em Diadema, ralando para sobreviver, e os direitistas adorariam dizer a palavra meritocracia neste ponto.

Afinal, quem é o povo?