Opinião

Se racismo reverso existe, eu pratico

servido por: Erick Heras

Eu sou carrancudo por natureza e não é que eu me orgulhe, mas sou mesmo um fodido e, por isso, não distribuo simpatia gratuitamente.

Se você me visse na agência bancária esta semana, aguardando para falar com o gerente, me veria sentado, com o semblante sério, de óculos escuros e fones de ouvido. Eventualmente, mexendo no celular. Mentalmente, eu estava me perguntando o motivo de ter deixado aquele senhor, descaradamente, furar a fila e isso me deixava ainda mais mal-humorado.

Porém essa casca mal-encarada é facilmente destruída e aconteceu no momento em que aquela senhora entrou na agência.

Uma senhora negra, com os cabelos brancos, com andar delicado e lento. Ela passou na porta giratória e eu, institivamente, abri um sorriso.

Ela andou em direção às cadeiras e eu continuei olhando e sorrindo. Tirei os óculos escuros e ela sentou ao meu lado. Torci internamente para ela me perguntar alguma coisa. Ela pediu uma informação sobre a senha, eu vibrei. Com genuína disposição, com ternura na voz inclusive, eu respondi. Ela respondeu agradecendo educadamente e ficou ali sentada ao meu lado… e eu, satisfeito, sabendo que fiz o possível para ela se sentir segura ali.

Depois deste dia, percebi que faço isso naturalmente. Eu discrimino, sim, pessoas negras, pessoas pobres (mais pobres que eu, no caso), pessoas em situação de rua, travestis… em detrimento das demais. Eu, deliberadamente, as trato melhor.

Tenho, para mim, que aquela senhora da agência, provavelmente na faixa dos 70 anos, não teve uma vida fácil. A juventude dela deve ter sido de abusos; a vida adulta, de trabalho árduo; na terceira idade, ao entrar em agências bancárias, deve ter sido poucas as vezes que recebeu um sorriso. Entretanto, não sei nada da vida dela. Esta imagem que criei, é com base naquilo que vejo por aí. Isso é um preconceito. Eu pratico este preconceito também.

Que fique claro que não é sentimento de pena, superioridade. Eu posso não saber exatamente como foi a vida dela, mas, por mais que ela tenha tido uma vida de riquezas, sendo brasileira… preconceito, ela sofreu e sofre. Também tenho clareza de vários dos meus privilégios por ter nascido branco nestes tempos, nesta sociedade. Por isso ela merece meu sorriso, meu total respeito e atenção, pois ela estava ali numa grande demonstração de resistência. Admiro.

Nestes tempos de opiniões extremas, de Facebook, de debates de ego… é fácil encontrar apropriação de termos que não nos pertencem. Meus antepassados têm um vasto histórico de apropriação, a propósito.

Não existe aborto masculino, existe abandono de incapaz. Não existe racismo reverso, existe, sim, discriminação. Eu discrimino e acredito que continuarei discriminando desta maneira até onde minha empatia permitir.